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Santa Dica (1930) |
Afinal quem
foi Santa Dica, esta personagem messiânica, totalmente ignorada na
história oficial do Brasil, mas que teve uma presença forte ao menos durante 20 anos na
vida de Goiás! Benedita Cipriano Gomes quando tinha apenas 13 anos já sentiu
manifestarem-se seus dons proféticos e milagrosos, atraindo ao pequeno povoado
de Lagoa (hoje Lagolândia), onde nasceu, um número cada vez maior de peregrinos
que passaram a vê-la como Santa. A menina Dica, roceira de rara beleza, vinda
de uma família de camponeses, tornar-se-ia líder do único movimento messiânico
do Centro-Oeste. Em apenas dois anos (1923-1925) o povoado de Lagoas se firmou
como comunidade e Santa Dica, em pouco, se tornou forte influência política da
região, como aconteceria com Antônio Conselheiro em Canudos e os monges na
região do Contestado. Às margens do Rio dos Peixes - chamado de Rio Jordão
"por ser milagroso" - a menina Dica realizou suas primeiras curas e
transmitiu a seu povo o "recado dos anjos". Ali, desde as primeiras
horas da luz do dia, a comunidade formava um mutirão na terra ao som de
cânticos de trabalho. Para garantir-se a subsistência e a segurança, a partir
de suas necessidades, pregava-se no reduto a igualdade, a luta pela abolição
dos impostos e a distribuição de terras sob o lema "A terra é de
Deus". Pela sua condição de líder, Santa Dica passou a ser utilizada nos
primeiros tempos pelos chefes políticos da região. O seu poder e a evolução de
sua comunidade, porém, despertaram atenções e causaram preocupações à classe
dominante. Crescia o desejo de independência de Dica e sua comunidade, e os
peregrinos sentiam-se seguros com a profeta adolescente. Assim a comunidade foi
orientada pelas resoluções de Santa Dica, que seriam tomadas a partir de seus
"encontros" com os anjos, durante seus transes. Após uma dessas
"conferências", ela resolveu organizar os camponeses, formando o
exército do povo, e os dirigentes através da ordem "pé-com-palha,
pé-sem-palha", solução que encontrou, colocando uma palha de milho num dos
pés de cada um, pois ninguém sabia o que era direita, esquerda. Em 1924, por
ordem do governador de Goiás, Miguel da Rocha Lima, o comandante da Polícia
Militar convocou Santa Dica a reunir voluntários, com a missão de interromper a
entrada da Coluna Prestes - que se dirigia a Bolívia - pelo Estado de Goiás.
Ela seguiu, levando aliados da Polícia Militar que também estavam sob seu
comando, em direção a Anápolis, por onde passaria o grupo liderado por Siqueira
Campos. O encontro se daria na segunda noite de espera. Santa Dica, deslocada
da tropa, é pega de surpresa pelas tropas de Siqueira Campos, que já a conhecia
de fama. Acabaram fazendo uma aliança, porém sob as vistas de um soldado que
desertou e se deslocou à Capital para transmitir o ocorrido. Quando Santa Dica
retornou ao reduto da Lagoa, seu povo foi desarmado e a Polícia Militar seguiu
para a Capital. Em seguida, chegou ao reduto um coronel da Polícia Militar de
Jaraguá, com a intenção de investigar os acontecimentos, além de testar os
poderes da messiânica líder. Durante os "transes" ele lhe enfiava
alfinetes e a queimava com cigarros acesos, sem que ela manifestasse dor.
Manuelzinho Careado, braço direito de Dica, desconfiou daquele estranho e o
expulsou. O coronel então, começou a incentivar os latifundiários da região
para que o governo interviesse e tomasse medidas imediatas contra o reduto de
Santa Dica - antes que ali se registrasse "um novo Canudos". Numa
madrugada de 1925, um batalhão da PM cercou Lagoas, disparando as
metralhadoras. O tiroteio durou 2 horas e quarenta minutos e ao amanhecer Santa
Dica conduziu a comunidade na travessia do Rio Jordão, naquela época muito
cheio devido às chuvas. Na forte correnteza, velhos inválidos e crianças se
jogaram, sendo arrastados pelas águas. No relatório da polícia ficou escrito
que "todos haviam se afogado". Mas os dias passavam e não apareciam
os corpos. Vasculhou-se a região e foram encontrados os peregrinos
sobreviventes. Todos foram levados à cadeia na Cidade de Goiás, onde
permaneceram, junto com Santa Dica, nove meses, presos sem julgamento. Absolvida, ela foi expulsa do Estado, considerada persona non
grata.
Foi com Mário Mendes (Jornalista carioca) para o Rio de Janeiro (sem confirmação, fala-se de
que teria chegado a São Paulo e ali conhecido a pintora Anita Mafaldi, do
movimento modernista). Mais tarde, solicitou ao governador Brasil Ramos Caiado,
que havia assumido em 14/07/1925, autorização para retornar a Goiás. Junto veio
Mário Mendes, que acabou sendo eleito prefeito de Pirenópolis, graças
principalmente à influência que Santa Dica exercia. Com a revolução de 1930,
Santa Dica foi intimada pelo governador de Goiás e colaborar com o Estado
apoiando o governo de Washington Luís. Mas, nesta época, sofria já a influência
do ambicioso marido. Posteriormente, voltaria ao reduto da Lagoa recomeçando
suas atividades místicas e o trabalho da terra com a comunidade. Na revolução
constitucionalista de 1932, teve nova participação. Com patente de Capitão
(nestas alturas tinha 23 anos de idade), apoiou Getúlio Vargas. Formou uma
companhia de 150 homens autorizados a usarem fardas do exército e que se
incorporaram ao Departamento Manoel Ravello em operações de guerra do batalhão
goiano "Siqueira Campos", acantonado em Uberlândia, Minas Gerais.
A
partir dos anos 30, Santa Dica se dedicaria especialmente ao lado do
curandeirismo. Em 1937, Mário Mendes, por intriga dos latifundiários, foi
deposto da Prefeitura de Pirenópolis - e viveria no anonimato até 1963, quando
morreu de velhice. Santa Dica faleceria 17 anos depois, em 9 de novembro de
1970 - tão pobre como sempre foi. A seu pedido, está enterrada em frente à sua
casa em Lagoa, debaixo de uma velha gameleira.